Psicotropicus - Centro Brasileiro de Política de Drogas

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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

USUÁRIOS DE COCAÍNA INJETÁVEL (UCI): PORQUE E COMO FAZEM

por Luiz Paulo Guanabara

Dando prosseguimento às referências do relato "Como a Psicotropicus inseriu o Brasil no movimento antiproibicionista internacional", os dois trabalhos abaixo foram realizados no âmbito do Projeto de Redução de Danos, cuja sede estava localizada no NEPAD/UERJ.

Primeiro tive um poster selecionado que foi apresentado pelos colegas Wulmar Bastos Jr. (falecido) e Christiane Sampaio na V Conferência Panamericana de HIV, realizada entre 3 e 6 de dezembro de 1997, em Lima, Peru. A razão de ele ter sido apresentado por esses colegas do Projeto de Redução de Danos (RD) deveu-se ao fato que eu não podia estar em Lima naquela data.

Nome do poster: A Bizarra e Destrutiva Relação entre Usuários de Drogas Injetáveis e DST/AIDS























O meu interesse pela questão das drogas e a pesquisa que desenvolvia estava nesse momento mais focalizado em Saúde Pública do que na questão política, que mais tarde tornou-se meu principal interesse. Os dois trabalhos de redução de danos que apresento aqui antecederam a pesquisa que resultou em "A Guerra às Drogas no Rio de Janeiro", quando o aspecto político do "Problema Mundial das Drogas", expressão que as Nações Unidas utilizam para se referir às questões das drogas, passou a se impor na minha vida e me tornei um ativista, fundando a Psicotropicus - Centro Brasileiro de Políticas de Drogas.

Depois do poster, pesquisei os dados da pesquisa que o Projeto de RD estava realizando e percebi que o que internacionalmente era chamado de usuário de droga injetável (UDI ou IDU, na sigla em inglês), no Brasil deveria ser chamado de usuário de cocaína injetável (UCI ou ICU, na sigla em inglês). Estimulado pela equipe do projeto, Marcelo Santos Cruz, Paulo Telles, e com co-autoria de Wulmar Bastos e de Christiane Sampaio, submeti o resumo/abstract da pesquisa à IX Conferência da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA, na sigla em inglês). Para minha surpresa, o trabalho foi selecionado para apresentação oral, a primeira do gênero que fiz em minha vida.


O resumo foi publicado na parte inferior da página 6 do livro de resumos, continuando no topo da página 7:

Não foi um raciocínio difícil de fazer. Não havia heroína no Brasil e as anfetaminas tinham sido banidas do comércio legal e das farmácias. Quem injetava anfetamina passou a injetar cocaína, uma droga muito mais complicada de usar como estimulante, pois requeria que o usuário injetasse diversas doses ao longo do dia ou da noite, em vez da dose única da anfetamina, cujo efeito podia durar 24hs ou mais.

Dos dados obtidos da amostra de 145 questionários, as drogas injetadas eram as seguintes, nas seguintes proporções:

cocaína: 94.5%
anfetamina: 5.6%
farmacêuticos: 4.9%
heroína: 3.5%

LSD: 2.1% (?)

Alguns redutores de danos que aplicaram os questionários podem ter se enganado com os cinco usuários que relataram injetar heroína, assim como com os três que injetaram LSD. É possível injetar LSD, mas quem conhece o campo sabe que isso não é muito encontrado ou praticado, misturar o ácido numa solução injetável. Mas o resultado esperado foi confirmado: 94,5% injetavam cocaína.

USUÁRIOS DE COCAÍNA INJETÁVEL: PORQUE E COMO FAZEM

A informação para esta apresentação foi retirada de diversas fontes:
1- um questionário voluntário preenchido por usuários de droga injetável (UDI) durante as atividades do Programa de Redução de Danos do Rio de Janeiro (NEPAD/UERJ-MS), das quais eu participo.
2- Entrevistas pessoais com UDI realizadas individualmente, questionando hábitos sexuais e de uso injetável de drogas, o relacionamento entre eles, com a comunidade, etc. (Devido ao espaço, essa parte da pesquisa será mostrada futuramente.)
3- Relatos de experiências pessoais de uso de drogas durante reuniões abertas de Narcóticos Anônimos
4- Bibliografia

INTRODUÇÃO
É muito fácil conseguir cocaína na cidade do Rio de Janeiro. Podemos afirmar que os números referentes à alta percentagem de cocaína como a principal droga injetável na cidade não devem variar muito. Esta tendência tem sido a marca da cena da droga injetável no Rio de Janeiro, desde a proibição de drogas anfetamínicas, vendidas em farmácias, na metade dos anos 70, de acordo com UDI que agora têm aproximadamente 50 anos de idade. 
A partir das informações utilizadas nesta pesquisa, podemos concluir que, sempre que quisermos descrever o cenário de droga injetável no Rio de Janeiro, estaremos basicamente falando de usuários de cocaína injetável.

AMOSTRA
A amostra do Projeto de Redução de Danos do Rio de Janeiro que utilizamos é composta de 145 questionários preenchidos. Essa amostra está em constante crescimento, na medida em que outros usuários são atendidos pelo programa. O questionário baseia-se naquele utilizado pelo Programa de Redução de Danos da Austrália. Entre as diversas perguntas, a mais relevante para esta pesquisa é aquela sobre a última droga injetada. (Os UDI também usam drogas por outras vias.)
Alguns UDI relataram mais de uma droga injetada:
2 drogas: 6 usuários
3 drogas: 2 usuários
4 drogas: 1 usuário
A cocaína está sempre presente nas respostas.

REUNIÕES DE NARCÓTICOS ANÔNIMOS
As reuniões de Narcóticos Anônimos são uma rica fonte de informação a respeito de que drogas estão sendo usadas na comunidade. Participei de de diversas reuniões abertas nos últimos cinco anos e, de acordo com o que ouvi, a cocaína é de longe a droga ilegal mais usada na cidade - e o álcool é de longe a droga legal mais usada. A maioria dos usuários de cocaína consome bebidas alcoólicas ao mesmo tempo. As outras drogas mais mencionadas foram a maconha e farmacêuticos. Não é comum encontrar pessoas que utilizaram heroína ou ecstasy. Também não é comum encontrar pessoas no programa de recuperação por causa de maconha.

DROGAS INJETÁVEIS NO RIO DE JANEIRO
As drogas injetáveis usadas no Rio de Janeiro, de acordo com a pesquisa e os relatos em Narcóticos Anônimos, são:
cocaína, anfetamina, farmacêuticos diversos, heroína e LSD.

Não é comum injetar LSD.  Embora dois UDI tenham reportado seu uso, não é típico o uso injetável dessa droga.

Na amostra encontramos três relatos de uso intravenoso exclusivo de anfetamina e cinco de anfetamina e outras drogas. Os farmacêuticos foram usados exclusivamente por três UDI e quatro relataram diversos farmacêuticos e outras drogas. A heroína foi relatada exclusivamente por dois UDI e três usaram heroína e outras drogas. Os dois UDI que relataram LSD também injetaram cocaína. Quanto à cocaína, 85% relataram uso exclusivo e 9.5% usaram cocaína e outras drogas.

Então temos o seguinte quadro relativo ao uso exclusivo e combinado de drogas injetáveis:

cocaína: 94.5%
anfetamina: 5.6%
farmacêuticos: 4.9%
heroína: 3.5%
LSD: 2.1% (?)

HEROÍNA
De acordo com a pesquisa, não existe hábito de usar heroína no Rio de Janeiro. A maioria dos profissionais que trabalha com usuários de drogas no Rio sabe que isso é verdade. Quando encontra-se um usuário de heroína por aqui, o mais  provável é que ele tenha trazido a droga de fora e, em geral, o contato com ela foi feito na Europa ou nos EUA. Se ele pretende continuar usando, provavelmente encontrará muita dificuldade para adquirir a droga - embora existam rumores não confirmados sobre o início de um mercado.

CONCLUSÃO
Embora tendências possam mudar gradualmente com o tempo, parece claro que, no momento, o Projeto de Redução de Danos do Rio de Janeiro deve concentrar sua atenção e serviços na direção dos usuários de cocaína injetável. Isso significa aumentar nosso conhecimento sobre como injetam e seus hábitos sexuais, para lidar mais efetivamente com a disseminação de HIV e outras doenças entre os usuários, seus parceiros e filhos.
Números da amostra revelam que os UDI injetam-se em média 12,1 dias por mês e 8,7 vezes por dia. Inseridos em comportamento muito arriscado, 51% partilharam seringas e 20,8% nunca usaram preservativos. 33,3% prostituíram-se. É óbvio que grande parte desses comportamentos de risco ocorrem devido à falta de educação e informação, e a condições sociais desfavoráveis.
A adoção vigorosa de uma série de estratégias - tais como prevenção e educação com informações veiculadas de maneira isenta (sem tom moralista ou aterrorizador); programas de troca de seringa; promoção de respeito aos direitos dos usuários de drogas e outras medidas terão como conseqüência certa a diminuição da transmissão de HIV e outras doenças entre UDI. Assim o atestam os diversos países que já adotaram a política de redução de danos para lidar com a questão das drogas. Esse é o nosso desafio.

publicado neste Blog por: Luiz Paulo Guanabara


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